Fernando Graf: Na descrição do filme, as personagens Lauro e Théo reencontram os amigos no presente e também em memórias passadas. Há muitos flashbacks no longa? Até que ponto o passado influencia nas decisões dos dois?
Rodrigo de Oliveira:Há um grande bloco de passado, que apresenta uma festa na casa da Júlia onde estão todos os amigos reunidos, e que representa este grupo no auge de sua sintonia. Outros momentos do passado surgem através da narrativa, mas eles não se apresentam como flashbacks tradicionais. Nós trabalhamos o tempo inteiro com uma ideia de fantasmagoria, de um passado que reaparece não como memória, mas como o fantasma do presente. O passado em “As Horas Vulgares” é o fantasma do presente, e esse presente naturalmente vai ser contaminado por isso, por esse ruído anterior, por esse passado que não está resolvido e que joga sombras sobre o presente. Lauro e Théo lidam o tempo inteiro com isso, com o que eles se tornaram e com aquilo que um dia foram, e por isso mesmo não tem nem muito tempo de projetar um futuro. E eu sinto que eles precisam disso, esse é o combustível que mantém eles funcionando: a ideia de que nunca estarão em paz com o passado.
"O passado em 'As Horas Vulgares' é o fantasma do presente, e esse presente naturalmente vai ser contaminado por isso, por esse ruído anterior, por esse passado que não está resolvido e que joga sombras sobre o presente"
FG: Todo mundo se inspira em alguém, mas também gosta de deixar a própria marca. Qual ou quais as maiores influências cinematográficas para a realização de As Horas Vulgares e qual a peculiriadade/particularidade que o público poderá encontrar nesta primeira obra?
RO: O cineasta francês Phillipe Garrel é a grande influência identificável de “As Horas Vulgares”, porque fez muitos filmes sobre artistas que se encontram nesse impasse entre a vida que querem ter e a vida que o mundo os força a viver, com todas as suas contingências. Há também toda uma geração de cineastas brasileiros dos anos 70 que é muito responsável pelas ideias de cinema que eu defendo e que estão postas no filme, cineastas marginais que também filmaram a crise de uma juventude diante do desaparecimento (cito aí o André Luis de Oliveira com “Meteorango Kid”, o Álvaro Guimarães com “Caveira My Friend”, o Sérgio Bernardes com “Desesperado”, o Maurício Gomes Leite com “Vida Provisória”), e alguns outros com quem nós dividimos uma mesma origem de inquietação com a ideia de ser brasileiro e viver nesse país, Rogério Sganzerla, Andrea Tonacci, o Julio Bressane dos primeiros filmes, o Glauber Rocha dos filmes no exílio. Mas a minha grande influência pessoal na feitura do filme não é de um cineasta, mas de um crítico, o francês Serge Daney. Há um texto dele sobre “Milestones”, um filme do americano Robert Kramer, que eu li muito antes de conseguir ver o filme, e que é fundamental para uma série de questões com que nos debatemos na realização do “Horas”.
Agora, sobre a particularidade do filme, é difícil identificar isso agora, sem saber como “As Horas Vulgares” vai se comportar quando for colocado lado a lado com os filmes da sua geração. O que eu sinto é que ele é um filme bastante singular no panorama do cinema brasileiro contemporâneo, que lida com a ideia de um cinema narrativo, baseado no drama e no arco dramático de personagens, de uma maneira que eu não encontro em outros lugares. Com alguma sorte, isso também vai ressoar entre os espectadores.
FG: A obra inspiradora não é popularmente conhecida (pelo menos pela grande público), mas o conteúdo - as inquietações daquele grupo de jovens - pode ser o cotidiano de muita gente. É esta a ponte de ligação com o público? São os mais jovens o alvo do filme?
RO: Até agora nós mostramos o filme para pouquíssimas pessoas, e só posso falar dessa pequena amostragem. Mas senti que o filme tem canais de comunicação bem diferentes entre si e que, de algum modo, há algo ali de identificável para espectadores muito diversos. Era muito importante para nós não perder nunca esse liga com o público, da idade que for, e isso acabou sobrevivendo bem durante o processo todo. É um filme adulto, um drama pesado, e tenho a impressão de que ele não se apaga fácil da cabeça das pessoas. Jovem ou velho, quem estiver disposto a se deixar marcar por uma experiência de cinema pode sair de uma sessão do filme com a sensação que ele cumpriu esse papel. E eu espero que as pessoas façam o caminho contrário, e tentem marcar o filme também. Não existe relação real no cinema sem que o espectador também sinta o direito de fazer daquele filme o seu filme, e não só responder às perguntas que ele faz, mas também perguntar coisas ao filme. Com sorte, o filme vai conseguir manter essa conversa.
"É um filme adulto, um drama pesado, e tenho a impressão de que ele não se apaga fácil da cabeça das pessoas. Jovem ou velho, quem estiver disposto a se deixar marcar por uma experiência de cinema pode sair de uma sessão do filme com a sensação que ele cumpriu esse papel"
FG: As Horas Vulgares ainda não estreou, mas você já pensa no próximo longa?
RO: Estou trabalhando no roteiro do próximo longa, que de alguma maneira continua a inquietação com que eu saí de “As Horas Vulgares”. Mas dessa vez não são amigos que desaparecem, mas um amigo que retorna, depois de dez anos sumido, sem dar notícias, e como se dá essa reaproximação entre melhores amigos que se tornaram estranhos completos. E é um filme colorido, bem colorido.
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O filme rodado em PB 16mm, telecinado para projeção digital 2k.
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Detalhes:
As Horas Vulgares tem estreia prevista para o início de outubro (local e data ainda não confirmados), mas, com certeza será apresentado em 18 de outubro, na abertura da Mostra da ABD, no Cine Metrópolis.
O filme custou R$ 620 mil, R$ 500 mil vindos do edital da Secult e mais R$ 120 mil vindos de investimento da Patuléia Filmes, a produtora do filme.
O filme rodado em PB 16mm, telecinado para projeção digital 2k.
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