Depois de quase 50 dias, Vitor Graize, diretor de As Horas Vulgares, finalmente respondeu à entrevista, hiato completamente compreensível pelo tempo que o lançamento do filme deve ter tomado. Graize fala da experiência que foi o primeiro longa, da parceria com Rodrigo Oliveira e como o Centro de Vitória o inspira para próximos trabalhos.
Fernando Graf:
Segundo o Rodrigo de Oliveira, foi você quem sugeriu que O Reino dos
Medas daria um filme. Esta percepção veio logo na primeira leitura
ou houve algum contato com o Reinaldo Santos Neves antes de
procurar o Rodrigo?
Vitor Graize:
A ideia do roteiro a partir do livro surgiu enquanto eu lia o Reino
dos Medas pela primeira vez e o desejo de filmar essa história
foi aumentando até se tornar uma imposição da vontade, uma crença
ainda muito intuitiva de que precisávamos fazer. Seria impossível
não filmarmos o roteiro que surgiu a partir disso, desse enorme
desejo. Eu e o Rodrigo chegamos a colocar como meta: filmaremos de
qualquer forma, mesmo que o projeto não seja aprovado nesse edital
(de produção de longa-metragem digital da Secretaria de Cultura do
ES, para o qual o roteiro foi desenvolvido). Eu já conhecia o
Reinaldo, tanto os outros livros dele quanto o próprio autor,
pessoalmente, mas só depois de algumas conversas com o Rodrigo e com
outras pessoas próximas é que apresentei a ideia a ele, que a
princípio não entendeu nossas razões mas deu total liberdade para
tocarmos em frente, mesmo sem nenhuma garantia de retorno financeiro
ou coisa parecida.
FG: A
história do livro e do filme é sobre o reencontro de grandes amigos
há algum tempo distantes. De alguma forma, o Rodrigo e você
estariam inseridos na história como Lauro e Théo?
VG: Creio
que estamos inseridos no filme de muitas maneiras, mas não como
personagens. Há ecos do nosso grupo de amigos no filme, há
referências a histórias, lugares e eventos que compartilhamos ao
longo dos últimos dez anos entre nós dois e com nossos amigos, há
a cidade na qual vivemos e na qual nos inspiramos, mas não estamos
descritos como um ou outro personagem. É claro que nos identificamos
com eles, em alguns momentos mais, em outros menos; mas o universo do
filme é um universo específico e, tendo confiança nisso, tentamos
construir relações e desenvolver ideias que fossem genuínas,
próprias daqueles personagens.
FG: O
Reino dos Medas é a fonte da história, do roteiro. E quais foram as
fontes ou inspirações
cinematográficas
que resultaram nas escolhas para rodar As Horas Vulgares?
VG: Creio
que as primeiras fontes de inspiração e referências foram
oferecidas pelo próprio livro: a
cidade de Vitória
e o jazz. Esses dois elementos são temas caros ao livro e foram
assumidos pelo roteiro, primeiramente, e depois pelo filme, em toda a
sua estrutura, do desenho de produção à elaboração dos créditos,
como definidores daquele universo e dos personagens. De minha parte,
as referências externas vieram do próprio cinema, como os filmes de
Louis Malle (Trinta Anos essa Noite, sendo mais específico) e
Philippe Garrel (principalmente a trilogia composta pelos A Inocência
Selvagem, Amantes Constantes e A Fronteira da Alvorada, que admiro,
além claro de outros filmes do diretor); também da literatura,
principalmente alguns poemas de Jorge Luis Borges e Elton Pinheiro
que eu estava lendo pouco antes das filmagens e nos quais a noite e a
cidade estão muito presentes.
FG: Diferente
do Rodrigo, sua formação é o Jornalismo. Até que ponto você se
sentiu limitado na direção do filme e de que fonte você bebeu
para se gabaritar a dirigir um longa?
VG: Vejo
com certo otimismo e boa vontade o que fizemos, assumir essa
empreitada desafiadora. Sinceramente, creio que foi um ato de coragem
motivado pelo desejo que tentei descrever lá em cima, na primeira
resposta, uma espécie de amor pelo livro e pela proposta do filme;
uma paixão intuitiva, uma experiência que, tínhamos certeza, seria
única. A partir desse ímpeto inicial o que fizemos foi mergulhar no
filme, na produção e nos ensaios. Pesquisamos muito, estudamos
sobre preparação de atores, conversamos com pessoas próximas que
já tinham experiência e tentamos mergulhar na atmosfera da direção,
principalmente na relação com o elenco, participando de sets de
outros filmes também. Mas logo percebemos que esse era um projeto
diferente. Fomos muito felizes na escolha do elenco e o trabalho todo
foi muito generoso. Nos ensaios, conversávamos durante longos
períodos sobre o filme, sobre sensações e caminhos a seguir; havia
tempo pra isso pois começamos a ensaiar com os atores em abril e
filmamos apenas em outubro. Esse tempo distendido contribuiu para
estabelecer uma relação de proximidade com todos os atores e formar
um grupo de amigos de verdade em que todos nos ajudávamos. No set
chegamos muito tranquilos e o que buscávamos era despertar as mesmas
emoções que havíamos experimentado nos ensaios. Sem dúvidas, essa
foi a experiência mais marcante da minha vida e será sempre
lembrada dessa forma.
"Pesquisamos muito, estudamos sobre preparação de atores, conversamos com pessoas próximas que já tinham experiência e tentamos mergulhar na atmosfera da direção, principalmente na relação com o elenco, participando de sets de outros filmes também. Mas logo percebemos que esse era um projeto diferente"
FG: Ainda
há muitos acontecimentos relacionados ao As Horas Vulgares. Mas,
você já pensa em um próximo projeto?
VG: É
claro que cuidar do lançamento do filme, das exibições em
festivais e de uma eventual distribuição comercial consome tempo e
energia, mas é inevitável também querer passar de fase e fazer
coisas novas. Tenho um projeto de longa-metragem de episódios,
inspirado e ambientado no Parque Moscoso, um parque público
localizado no Centro de Vitória que em 2012 completa 100 anos e que
dá nome ao bairro que o rodeia. Esse filme foi pensado para reunir
diretores que produzem em Vitória e tentar estabelecer um diálogo a
partir dessa proposta de trabalho coletivo, levado adiante com equipe
formada por técnicos do Estado e com elenco daqui. Estou buscando
tirar esse projeto do papel. Também estou desenvolvendo o roteiro de
um longa-metragem sobre um homem solitário que vive em uma pensão
barata, um ourives aposentado. São os dois projetos que quero
desenvolver com a Pique-Bandeira Filmes, produtora que fundei para
tocar os meus filmes e outros projetos que acredito.
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