sexta-feira, novembro 18, 2011

As Horas Vulgares | Entrevista #3


Depois de quase 50 dias, Vitor Graize, diretor de As Horas Vulgares, finalmente respondeu à entrevista, hiato completamente compreensível pelo tempo que o lançamento do filme deve ter tomado. Graize fala da experiência que foi o primeiro longa, da parceria com Rodrigo Oliveira e como o Centro de Vitória o inspira para próximos trabalhos.




Fernando Graf: Segundo o Rodrigo de Oliveira, foi você quem sugeriu que O Reino dos Medas daria um filme. Esta percepção veio logo na primeira leitura ou houve algum contato com o Reinaldo Santos Neves antes de procurar o Rodrigo?

Vitor Graize: A ideia do roteiro a partir do livro surgiu enquanto eu lia o Reino dos Medas pela primeira vez e o desejo de filmar essa história foi aumentando até se tornar uma imposição da vontade, uma crença ainda muito intuitiva de que precisávamos fazer. Seria impossível não filmarmos o roteiro que surgiu a partir disso, desse enorme desejo. Eu e o Rodrigo chegamos a colocar como meta: filmaremos de qualquer forma, mesmo que o projeto não seja aprovado nesse edital (de produção de longa-metragem digital da Secretaria de Cultura do ES, para o qual o roteiro foi desenvolvido). Eu já conhecia o Reinaldo, tanto os outros livros dele quanto o próprio autor, pessoalmente, mas só depois de algumas conversas com o Rodrigo e com outras pessoas próximas é que apresentei a ideia a ele, que a princípio não entendeu nossas razões mas deu total liberdade para tocarmos em frente, mesmo sem nenhuma garantia de retorno financeiro ou coisa parecida.

FG: A história do livro e do filme é sobre o reencontro de grandes amigos há algum tempo distantes. De alguma forma, o Rodrigo e você estariam inseridos na história como Lauro e Théo?

VG: Creio que estamos inseridos no filme de muitas maneiras, mas não como personagens. Há ecos do nosso grupo de amigos no filme, há referências a histórias, lugares e eventos que compartilhamos ao longo dos últimos dez anos entre nós dois e com nossos amigos, há a cidade na qual vivemos e na qual nos inspiramos, mas não estamos descritos como um ou outro personagem. É claro que nos identificamos com eles, em alguns momentos mais, em outros menos; mas o universo do filme é um universo específico e, tendo confiança nisso, tentamos construir relações e desenvolver ideias que fossem genuínas, próprias daqueles personagens.

FG: O Reino dos Medas é a fonte da história, do roteiro. E quais foram as fontes ou inspirações
cinematográficas que resultaram nas escolhas para rodar As Horas Vulgares?

VG: Creio que as primeiras fontes de inspiração e referências foram oferecidas pelo próprio livro: a
cidade de Vitória e o jazz. Esses dois elementos são temas caros ao livro e foram assumidos pelo roteiro, primeiramente, e depois pelo filme, em toda a sua estrutura, do desenho de produção à elaboração dos créditos, como definidores daquele universo e dos personagens. De minha parte, as referências externas vieram do próprio cinema, como os filmes de Louis Malle (Trinta Anos essa Noite, sendo mais específico) e Philippe Garrel (principalmente a trilogia composta pelos A Inocência Selvagem, Amantes Constantes e A Fronteira da Alvorada, que admiro, além claro de outros filmes do diretor); também da literatura, principalmente alguns poemas de Jorge Luis Borges e Elton Pinheiro que eu estava lendo pouco antes das filmagens e nos quais a noite e a cidade estão muito presentes.

FG: Diferente do Rodrigo, sua formação é o Jornalismo. Até que ponto você se sentiu limitado na direção do filme e de que fonte você bebeu para se gabaritar a dirigir um longa?

VG: Vejo com certo otimismo e boa vontade o que fizemos, assumir essa empreitada desafiadora. Sinceramente, creio que foi um ato de coragem motivado pelo desejo que tentei descrever lá em cima, na primeira resposta, uma espécie de amor pelo livro e pela proposta do filme; uma paixão intuitiva, uma experiência que, tínhamos certeza, seria única. A partir desse ímpeto inicial o que fizemos foi mergulhar no filme, na produção e nos ensaios. Pesquisamos muito, estudamos sobre preparação de atores, conversamos com pessoas próximas que já tinham experiência e tentamos mergulhar na atmosfera da direção, principalmente na relação com o elenco, participando de sets de outros filmes também. Mas logo percebemos que esse era um projeto diferente. Fomos muito felizes na escolha do elenco e o trabalho todo foi muito generoso. Nos ensaios, conversávamos durante longos períodos sobre o filme, sobre sensações e caminhos a seguir; havia tempo pra isso pois começamos a ensaiar com os atores em abril e filmamos apenas em outubro. Esse tempo distendido contribuiu para estabelecer uma relação de proximidade com todos os atores e formar um grupo de amigos de verdade em que todos nos ajudávamos. No set chegamos muito tranquilos e o que buscávamos era despertar as mesmas emoções que havíamos experimentado nos ensaios. Sem dúvidas, essa foi a experiência mais marcante da minha vida e será sempre lembrada dessa forma.


"Pesquisamos muito, estudamos sobre preparação de atores, conversamos com pessoas próximas que já tinham experiência e tentamos mergulhar na atmosfera da direção, principalmente na relação com o elenco, participando de sets de outros filmes também. Mas logo percebemos que esse era um projeto diferente"


FG: Ainda há muitos acontecimentos relacionados ao As Horas Vulgares. Mas, você já pensa em um próximo projeto?

VG: É claro que cuidar do lançamento do filme, das exibições em festivais e de uma eventual distribuição comercial consome tempo e energia, mas é inevitável também querer passar de fase e fazer coisas novas. Tenho um projeto de longa-metragem de episódios, inspirado e ambientado no Parque Moscoso, um parque público localizado no Centro de Vitória que em 2012 completa 100 anos e que dá nome ao bairro que o rodeia. Esse filme foi pensado para reunir diretores que produzem em Vitória e tentar estabelecer um diálogo a partir dessa proposta de trabalho coletivo, levado adiante com equipe formada por técnicos do Estado e com elenco daqui. Estou buscando tirar esse projeto do papel. Também estou desenvolvendo o roteiro de um longa-metragem sobre um homem solitário que vive em uma pensão barata, um ourives aposentado. São os dois projetos que quero desenvolver com a Pique-Bandeira Filmes, produtora que fundei para tocar os meus filmes e outros projetos que acredito.

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